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segunda-feira, 7 de maio de 2012

A materialidade da Materialidade


Como já vimos, cada dia mais empresas – de todos os tipos – decidem adotar práticas de sustentabilidade. Há uma profusão delas no mercado, de diferentes naturezas, escopos e resultados: análise de ciclo de vida, compensação de carbono, ações de ecoeficiência, investimento social privado, engajamento de funcionários, desenvolvimento de produtos mais sustentáveis, comunicação para a sustentabilidade, capacitação profissional, governança corporativa, preservação ambiental, certificação – ufa! – e muitos outros ainda. Mas será que todos os tipos de práticas sustentáveis contribuem da mesma forma para a agenda de sustentabilidade da empresa que os adota? Como pesar as alternativas e escolher a melhor prática?



Tomemos o exemplo de uma empresa do setor de petróleo – para esta empresa, o que é mais relevante: patrocinar um festival cultural ou investir em novas tecnologias de biocombustíveis? E para uma empresa de celulose, seria garantir que a madeira utilizada como matéria-prima vem de florestas com manejo sustentável ou diminuir o uso de energia elétrica? Um time de futebol tem as mesmas prioridades de sustentabilidade que uma indústria de bens de consumo?

O primeiro passo para identificar que ações são mais relevantes e responder a essas perguntas é estabelecer quais são os assuntos de maior impacto para aquela empresa em particular, ou seja, que temas lhe são mais materiais, e afetarão positivamente seus impactos  de sustentabilidade.  E neste momento entra a questão crucial para a análise da materialidade: esses serão os temas mais relevantes para gerir e melhorar os impactos da empresa em quem?

Toda empresa, independentemente de seu tamanho, mercado ou características específicas, se relaciona com uma série de públicos (comumente chamados de stakeholders) que possuem interesses distintos em seus relacionamentos com a empresa, incluindo as questões de sustentabilidade. Fornecedores estarão mais interessados em ações de matérias-primas mais sustentáveis. Clientes e consumidores em inovações de produto. Governo e ONGs em como a empresa pode colaborar com políticas públicas ou indicadores sociais. E assim por diante. Então como definir quais interesses devem ser priorizados?

Um processo de definição de materialidade robusto deve se esforçar para incluir o maior número possível de stakeholders, e se utilizar de alguma metodologia para ouvir representantes desses públicos e identificar suas percepções sobre a atuação da empresa, levantando os pontos mais importantes nesses relacionamentos e as oportunidades de melhorias. Idealmente, deve-se tentar obter dados relevantes quantitativamente (garantindo a representatividade daquela percepção no universo daquele público) e qualitativamente (garantindo que a análise seja profunda e consistente o suficiente para ajudar na tomada de decisões).

É extremamente importante que a empresa encontre maneiras de levantar essas informações entre os stakeholders de forma a obter os dados mais honestos que seja possível - isso implica em criar uma ambiente em que esses representantes possam se expressar sem serem influenciados em suas respostas pela empresa e sem temerem represálias ao expressar pontos negativos (fornecedores são particularmente propensos a não expressá-los, por exemplo, por medo que isso interfira no relacionamento comercial). Algumas ferramentas comuns nesse processo são a realização de painéis presenciais de diálogo, consultas telefônicas e entrevistas individuais, em geral facilitados/intermediados por consultorias ou organizações parceiras.

Os resultados são dispostos em uma matriz de materialidade, relacionando quais temas foram mais levantados pelos stakeholders de acordo com metodologias que variam, mas geralmente classificando a relevância desses temas em um eixo interno (impacto para a empresa) e externo (impacto para os stakeholders), sendo em seguida aprovados pela direção da companhia. O resultado é uma matriz como a abaixo:


Em termos de gestão, um bom processo de materialidade pode e deve trazer:

Direcionamento para a estratégia e comunicação: a matriz deixa muito claro quais são os temais prioritários sobre os quais devem se concentrar os esforços e investimentos de sustentabilidade para que a empresa obtenha o maior retorno. Também serve para orientar a comunicação do tema, garantindo sua relevância para os principais stakeholders;
Identificação de oportunidades: os diálogos com os stakeholders são um excelente meio para descobrir pontos de melhoria que podem trazer ganhos para ambas as partes, particularmente com clientes e fornecedores;
Melhor relacionamento com stakeholders: o processo também ajuda na construção da confiança e da troca de informações entre empresa e stakeholders, levando a melhores relacionamentos comerciais (um padrão que apareceu no primeiro post deste blog);
Minimização de riscos: ouvindo seus stakeholders, a empresa se torna capaz de identificar e solucionar potenciais problemas antes que eles causem impactos negativos para o negócio, como falhas de comunicação, insatisfação de clientes, problemas nos processos produtivos, etc.

As matrizes de materialidade são sempre divulgadas nos relatórios de sustentabilidade das empresas, e são uma ferramenta fundamental para a qualidade do mesmo, uma vez que são utilizadas para decidir o que é reportado e o que não é, e a que assuntos a empresa dará importância. 

A realização de uma materialidade robusta é um dos principais sinais de que a empresa leva a sério seu compromisso com a sustentabilidade. Da próxima vez que tiver contato com um relatório de sustentabilidade, procure pela matriz e por informações sobre como ela foi construída. Certamente ali há bons indícios que orientarão seu julgamento quanto aos outros atributos de sustentabilidade da empresa!

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